Itu completou 411 anos em fevereiro e falar da sua grandiosidade e importância no cenário histórico brasileiro nunca é demais. Ajudou a alavancar a economia nacional com suas lavouras de açúcar e, posteriormente, de café; foi cenário para o movimento político que resultou, em 1873, na realização da primeira Convenção Republicana do país, dando início à propaganda que culminou com a criação do Partido Republicano Paulista, ficando conhecida como “Berço da República”; foi ainda palco de inúmeros artistas e intelectuais que escreveram a história das artes paulistas; entre tantos outros episódios marcantes. A cidade também ganhou fama por conta dos seus monumentos arquitetônicos. Um deles, localizado numa das esquinas mais emblemáticas e belas de Itu, na praça Dom Pedro I, é a Casa Imperial, que completa 140 anos em 2021 e 50 anos de restauração.
A primeira parte desta história que a cidade tanto se orgulha começou no início do século XIX, em um período marcante da economia local, caracterizado pelo predomínio das monoculturas como base de poderio das famílias de destaque na política nacional. Dentro deste contexto, Itu se viu pontilhada de monumentos arquitetônicos de destaque, entre os quais este perdura até os dias atuais.
A casa é conhecida em todo o país por ter abrigado a princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta, filha de D. Pedro II e herdeira do trono imperial, durante as importantes visitas que a família real fez a Itu. Uma das ocasiões, em 1884, o fazendeiro Carlos Augusto de Pereira Mendes, então proprietário do casarão, ofereceu um almoço à princesa, seu esposo, Luis Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans (conde D’Eu), e seus filhos.
O casarão é parte da história dos 411 anos de Itu, fica na esquina de um largo que antigamente fazia parte de uma ligação entre conventos de ordens que dominavam o cenário religioso daquela época, organizando o espaço urbano. Atualmente, a paisagem é formada pelo Cruzeiro Franciscano – possivelmente o único de varvito no mundo e que está passando por um grande processo de restauração, como publicou a Revista Regional de janeiro – e a Fábrica São Luiz.
“Estes monumentos compõem três importantes marcos religiosos, políticos e industriais da história ituana. O Largo de São Francisco (praça D. Pedro I) sintetiza, através da arquitetura, três forças fundamentais para entender Itu: o catolicismo presente no Cruzeiro Franciscano, remanescente de um dos conjuntos mais importantes da região, do Convento de São Luiz de Tolosa; a Fábrica São Luís, marca de investimento na economia rural que crescia e refletia na indústria e a elite local, dominante da política com enorme expressão provincial e nacional; e a construção da casa dos Pereira Mendes, a Casa Imperial, que deve ter mexido com os ituanos daquele tempo, por ser uma casa senhorial, um verdadeiro palacete que exalta poder e bom gosto”, afirma o historiador e curador do Museu da Música de Itu, Luís Roberto de Francisco.
A Casa Imperial é um projeto assinado pelo construtor e projetista Antônio Francisco de Paula Souza. Desde meados de 1992 é tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo), no grau de proteção 1, que obriga a preservação integral da edificação, sendo também inventariada como de valor para o patrimônio do município, pois ainda conserva suas características iniciais, com feições ecléticas, de um período onde o embelezamento da cidade era público e não restrito aos condomínios fechados. “A casa é uma construção de linhas clássicas, inspirada em casario europeu do final do século XIX. A técnica utilizada é a de taipa, ainda frequente no Brasil do período, quando havia transição para o uso de tijolos”, ressalta Luís Roberto.
Casa Caselli
Por iniciativa do Condephaat, a Casa Imperial foi tombada com o nome de Casa Caselli, uma forma de homenagem ao casal que deu continuidade à história ituana e nacional quando, ao adquirir o imóvel, optou por restaurá-lo e mantê-lo o mais próximo do original possível, em vez de derrubar e erguer algo mais moderno à época. “O ano era 1968, a casa estava às ruínas, mas meu marido – Sebastião Gomes Caselli – já a adquiriu com o objetivo de restaurá-la. Sempre nos importamos com a preservação da memória, da nossa história. O passado não é para ser destruído”, afirma Dra. Maria Lúcia Almeida de Marins e Dias Caselli, proprietária do imóvel.
Formada em Direito pela USP (Universidade de São Paulo – Largo São Francisco), foi a primeira mulher a atuar na advocacia ituana e teve intensa participação no processo de criação da subsecção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na cidade. Podemos afirmar que toda essa carreira de sucesso também nasceu na Casa Imperial, pois segundo a Dra. Maria Lúcia, quando criança chegou a frequentar o jardim de infância naquele local. “Essa casa tem muita importância na minha vida e faz parte da minha memória afetiva”, comenta.
Moradora do casarão há 50 anos, Dra. Maria Lúcia não pretende se mudar. Ela ama cada centímetro do imóvel e todas as recordações que ele a traz. Deixá-lo intacto e preservado ao longo dos anos é um desafio diário para a advogada, que mantém um profissional mensalmente para ajudar nos reparos do imóvel. Infelizmente, essa manutenção é trabalhosa e cara, mas ela não mede esforços para manter o casarão impecável, mesmo com os problemas do dia a dia.
Segundo Dra. Maria Lúcia, um dos fatores que mais interfere na conservação da edificação foi a mudança de trânsito da rua Paula Souza, que antes descia e não subia. Após essa determinação, o imóvel passou a sofrer muito por conta do aumento do tráfego de veículos e as manutenções aumentaram.
Por um curto período, ela abriu a casa para o turismo e disponibilizou alguns cômodos para visitação do público, mas, infelizmente, o casal não se sentiu à vontade com a circulação de pessoas dentro de casa. “Fora isso, muitos achavam que podiam simplesmente chegar e entrar, sem respeitar nossos horários. Como nunca tivemos objetivo comercial e turístico no imóvel, cancelamos as visitações. Alguns não entenderam e nos julgaram, mas outros nos apoiaram e respeitaram a nossa decisão, pois a casa sempre foi o nosso lar”, conta.
Além de toda a importância histórica que ela e seu saudoso marido proporcionaram à cidade ao manter o casarão em pé e restaurado, Dra. Maria Lúcia afirma que poder sair à janela e ser contemplada com a vista do Cruzeiro Franciscano e da Fábrica São Luiz é um presente diário. “Mas a vista que eu amo mesmo é a cúpula da Igreja Bom Jesus, que me faz lembrar a da Basílica de Sacré-Coeur, de Paris”, ressalta.
Em 2011, a Revista Regional visitou o interior do imóvel e fotografou todos os espaços, numa reportagem especial para a revista Regional Casa. As imagens ilustram essas páginas atuais, já que por conta da pandemia e da necessidade de distanciamento social, nossa equipe não pode retornar ao casarão. A entrevista da Dra. Maria Lúcia foi feita por telefone, atendendo todas as medidas de saúde para evitar a covid-19.
fotos: Rapha Bathe/Arquivo